#12 CRÔNICAS DE PARATY: Os paratienses e sua história
Por Marina de Mello e Souza
Os paratienses e sua história | No imaginário paratiense, a vila teve papel de destaque desde os primeiros anos da colonização e momentos de glória que a colocava ao lado dos mais importantes portos do território, como Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Entre as histórias que contam sobre a região está a do cativeiro de Hans Staden, que teria ocorrido na região do morro do Cairuçu, no atual município de Paraty¹. A presença dos primeiros habitantes da região permanece até hoje na designação da maioria dos lugares e em formas de subsistência ligadas à pesca, à confecção de utensílios de trabalho, ao plantio e preparo de alimentos ainda presentes na área rural. Com a descoberta que o homem branco fez das riquezas minerais, piratas passaram a espreitar os navios que transitavam pela baía, e muitos acreditam que tesouros foram enterrados em praias desertas. Náufragos louros de olhos azuis se juntaram ao gentio que por ali vivia, dando origem a mestiços que até hoje exibem a mistura de origens em inesperadas combinações de traços e cores.
Substituindo o ouro, que não deixou vestígios concretos sequer nos altares das igrejas, veio o comércio do café e de mercadorias que abasteciam os fazendeiros do Vale do Paraíba, possibilitando a construção de grandes sobrados, onde se realizavam bailes elegantes por entre móveis finos, paratarias, porcelanas e indumentárias que seguiam as últimas modas. Conta-se de pai para filho que companhias de ópera européias desembarcavam diretamente em Paraty e ali se apresentavam antes mesmo de chegar à corte.
Batalhões de escravos trabalhavam nos engenhos que produziam a melhor aguardente do país e na conservação do caminho da serra, todo calçado, mas mesmo assim de transcurso difícil. Grande número de padres assistia às necessidades religiosas da população além de participarem da administração municipal e da educação dos filhos das famílias ilustres. Entre as histórias fantasiosas sobre a cidade, destaca-se a que conta que Dom Pedro I passava por ali com frequência, a caminho ou voltando de suas visitas à marquesa de Santos, dormindo num enorme sobrado por todos conhecido. Uma bonita caleça forrada de veludo vermelho e ornada com o emblema do império esperava-o na raiz da serra para trazê-los até a cidade. O sobrado está lá até hoje, mas foi construído no fim do século XIX, conforme a lembrança dos mais antigos². A caleça dizem ter sido transformada em carro de tirar lixo da rua na época da ditadura de Getúlio, quando “um homem boçal, Tenente Rosas, um sargentão da polícia”³, esteve à frente da administração municipal. Samuel Costa tinha a intenção de fazer um museu em Paraty, e a caleça teria lugar de destaque na exposição, realçando a ligação intima da cidade com os centros de poder e a formação do país, mas a doença que o consumiu ainda moço colocou-o no pantaleão dos ilustres do lugar, sem que levasse adiante muitos de seus projetos.
O marasmo econômico que levou muitos a abandonarem o município, a falta de recursos financeiros para novas atividades que alterassem o seu perfil, a pobreza geral que abandonava as construções ao sabor de sua própria resistência, vieram se aliar a um forte apego ao passado enquanto atribuidor de identidade do grupo, à manutenção de relações sociais e manifestações culturais ditadas pela tradição, a um especial respeito pelo ensinamento dos mais velhos, fazendo da cidade a ilha de passado incrustada no presente, que encantou visitantes já em 1922.
Os que viveram as primeiras décadas do século XX, e ouviram as histórias contadas pelos “antigos”, sabem que a Paraty do tempo de sua juventude era uma cidade pobre, decadente, à sombra de um passado constantemente rememorar o, mas que não voltava mais. Diz um morador da cidade que suas lembranças são de pobreza, não de fausto.
Paraty do tempo da minha avó, segundo ela contava, é que tinha aquelas festas imensas, quase uma festa em cima da outra. Porque os grandes fazendeiros tinham interesse em organizar as festas na cidade porque era o momento das filhas conhecerem os rapazes, tratarem o casamento, tinha uma função social. Com o empobrecimento da terra, o desaparecimento das fazendas, as festas foram caindo, não tinha quem custeasse isso. Mas a minha avó morreu em 1940 com 80 e alguns anos, e ela fazia a gente dormir contando as histórias de Paraty... 4
1 – Hans Staden ficou cativo dos tupinambás na área entre as atuais cidades de Ubatuba e Angra dos Reis, e, a despeito da falta de indicação clara sobre os lugares precisos em que esteve, algumas pessoas conhecedoras da região identificam acidentes geográficos descritos na sua narrativa a lugares do município de Paraty.
2 – Diuner Mello informou que a mãe de José Carlos de Oliveira Freire, nascida em 1894, lembrava-se do fim da construção do sobrado.
3 – Entrevista com José Espírito Santo Calixto.
4 – Entrevista com José Carlos de Oliveira Freire
Trecho retirado do livro “Paraty: a cidade e as festas” Marina de Mello e Souza. 2ª edição
Editora Ouro sobre azul. Rio de Janeiro.
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