Apresentada como “reprodução do real”, a fotografia rapidamente mostrou que, no melhor estilo Chacrinha, veio para confundir, não para explicar. Em pouco tempo, viu-se que ela, mais do que congelar, podia interpretar, questionar ou mesmo reinventar momentos, paisagens e rostos. Aprisionar imagens não bastava. Era preciso libertá-las, e um dos momentos mais surpreendentes deste processo foi quando os fotógrafos apontaram a câmara para si próprios, criando os autorretratos – selfies, em português moderno.
Foi talvez o passo mais ousado na desconstrução da fotografia como mero processo técnico de captura da imagem. Ao se colocar diante da câmara, os fotógrafos literalmente invertem o eixo: se exploram a própria imagem – que a princípio já conhecem -, insinuam que ela tem sentidos e significados ocultos, que a fotografia pode, literal e metaforicamente, revelar. Ela é, assim, transferida para um outro patamar – o de processo artístico.
Mais de 150 anos depois, vivemos num mundo infestado de imagens, submersos num oceano cada vez mais profundo de bytes e pixels. O tsunami digital popularizou e banalizou a fotografia, transformando o autorretrato em selfie – em sua maioria, odes à vaidade e ao narcisismo, futilidades desinteressantes e perfeitamente dispensáveis.
Ao mesmo tempo, a tecnologia permite experiências, facilita a troca de informações e referências, e o tal do selfie se reinventa, com novas e sedutoras possibilidades. Os trabalhos aqui expostos, pinçados entre mais de 100 participantes, mostram esse vigor. Assinados por profissionais ou por iniciantes, bem humorados ou melancólicos, irônicos ou perturbadores – há para todos os gostos. São estilos, abordagens e processos distintos. Em comum, não apenas a técnica, mas a aliança desta com a criatividade. Num festival que neste ano discute o tema Migrações, esta “volta às origens” – da autoexibição gratuita à autorrepresentação legítima – merece ser celebrada.
André Teixeira
Pátio | 18 setembro – 17 novembro
Entrada Gratuita
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